Meditação: a postura e o silêncio

Parte I

POSTURA, ESTABILIDADE E CONSCIÊNCIA

Sono e Consciência

Se ao meditar buscamos a posição mais confortável, por que a meditação não é feita na postura deitada? Para responder a essa pergunta, é suficiente observar que, durante milhares de anos de evolução, nosso corpo condicionou a postura deitada ao repouso e ao descanso. Quando adotamos esta posição, o organismo se prepara para acionar uma série de respostas automáticas como a redução natural do tônus muscular, da frequência cardíaca e do estado de consciência. O organismo entende que é hora do repouso, da recuperação física e mental então ocorrerá de forma gradual um enfraquecimento do estado de vigília e consciência para que se atinja o estado de torpor e por fim a sonolência.

Por outro lado, ao adotarmos uma postura sentada, conseguimos manter nossos sistemas de consciência ativos com o cérebro em estado de alerta relaxado. Isso permite que o praticante desacelere enquanto o corpo se acalma. Por isso a meditação sentada oferece um equilíbrio ideal entre estabilidade física e vigilância mental que é a condição essencial para a prática meditativa profunda.

Postura Sentada e Estabilidade

Sentar com um bom alinhamento é essencial para que o corpo permaneça ereto mas sem esforço excessivo. Busque uma base firme para sustentar a leveza da mente. Pense na imagem de uma montanha ou na forma triangular das pirâmides, com ampla base e vértice voltado ao céu, a inspirar a geometria ideal da postura: sustentação firme na base e leveza no topo, voltada para o alto.

Na postura de lótus ou meio lótus vemos o ideal de simetria e equilíbrio, mas quem não alcança essa flexibilidade pode adaptar-se com o uso de banquinhos, almofadas ou mesmo uma cadeira. Nesse caso, sente-se alguns centímetros à frente para que as costas fiquem eretas sem tocar no encosto. Use almofadas ou o que tiver disponível, o segredo é conseguir uma boa base e ficar com as costas eretas sem sentir dores.

Quando o corpo encontra esse ponto de equilíbrio, o ar flui livremente. Vemos a respiração ocorrer naturalmente — o abdômen se eleva e abaixa sem que façamos nada. Nessa imobilidade estável, o meditador só observa, com plena consciência, a presença do corpo e o movimento da vida que nele respira.

Em alguns ambientes de prática, instrutores reservam a meditação deitada apenas para quem tem limitações físicas que impeçam a postura sentada. Muitas vezes, ajustes simples como a posição ou a altura da almofada, a inclinação do tronco, resolvem o desconforto. Peça ajuda de alguém mais experiente que ajude a conferir e ajustar sua postura.

Postura Sentada e Consciência

Tanto meditar quanto conduzir ou pilotar um veículo exigem vigilância focada. A escolha da postura sentada vai além do conforto: ela sustenta o estado de atenção plena. Da mesma forma, um motorista permanece consciente o tempo todo e pronto para agir porque está sentado e não relaxado ou músicos de uma orquestra tocam seus instrumentos seguindo o mesmo princípio. Assim, nunca é demais repetir: postura deitada usamos para relaxamento e repouso; postura sentada, para relaxamento com consciência e presença ativa. Se quisermos meditar bem, precisamos entender o significado disso.

Parte II

O GUIA E O SILÊNCIO

Meditação guiada ou silenciosa?

A meditação guiada cumpre papel semelhante ao de um instrutor de direção ou de um professor de música nas etapas iniciais do aprendizado. Quando o praticante ainda não conhece o caminho interior, a voz do guia é necessária - assim como o instrutor orienta o aprendiz a trocar marchas, e o mestre ensina o ritmo e o toque das mãos no instrumento musical.

Com o tempo, porém, a orientação externa torna-se um obstáculo. Quando o meditador já aprendeu a reconhecer o silêncio interno, a fala constante interrompe a profundidade do estado de consciência. É como um motorista experiente sendo obrigado a ouvir instruções a cada movimento — a fluidez se perde.

O mesmo se aplica ao músico. No instante em que se funde ao instrumento, desaparece a separação entre o som e quem o produz. Se um professor lhe ditasse as notas durante a execução, o encanto cessaria.

Por isso, a meditação guiada é valiosa no início, mas, com a maturidade, a voz deve silenciar. O verdadeiro guia passa a vir de dentro de cada um e a mente aprende a ouvir o som do silêncio.

Em grupos mais avançados, o guia costuma apenas marcar o tempo com o sino: indicando o início, toques nos intervalos e ao final da prática.

Conclusão: Disciplina e Bom Senso

Embora pareça simples, a meditação exige respeito aos princípios que sustentam sua eficácia como qualquer arte ou técnica. Postura alinhada, silêncio e aquietamento consciente são os fundamentos e o divisor de águas entre meditar de verdade ou fazer o que quiser e imaginar que está meditando.

Quando observamos esses cuidados mantendo o foco e a disciplina, a mente alcança estados cada vez mais profundos de silêncio genuíno, segue firme como a montanha, equilibrada como a pirâmide e desperta como um condutor sempre atento em sua jornada interior.

Puja e Satsang

Saberia você diferenciar essas duas palavras? Em caso de dúvida, continue a ler, pois estes termos costumam causar certa confusão a quem está de fora.

Puja é um ritual de oferenda e devoção, frequentemente dirigido a uma figura como o Buda ou um bodhisattva. É uma prática vertical, do devoto para o ser iluminado.

Satsang é uma reunião ou assembleia de pessoas para ouvir ensinamentos, praticar e compartilhar a verdade. É uma prática horizontal e comunitária, focada na sabedoria coletiva.

Puja (do Sânscrito: "reverência, homenagem")

É uma cerimônia ou ritual formal com o objetivo de expressar devoção, gratidão, respeito e fazer oferendas a uma figura iluminada (como o Buda Shakyamuni, Tara, etc.). O praticante busca acumular mérito (puñña), purificar o karma e cultivar qualidades como generosidade (dāna) e fé (saddhā).

A prática costuma envolver uma série de ações ritualísticas, como acender velas e incenso, fazer oferendas etc. Inclui cânticos ou mantras, recitações de textos sagrados (sutras) e prostrações. É frequentemente conduzido por um monge ou sacerdote, mas pode também ser feito por um praticante experiente ou até mesmo individualmente. Há um "objeto de devoção" que pode ser simbolizado por uma imagem representativa (um quadro, foto, estátua etc.) do Buda ou de outra divindade.

É uma prática central no Budismo (de todas as tradições: Theravada, Mahayana, Vajrayana) e também no Hinduísmo.

Seria algo próximo de uma "Missa" ou um culto de adoração, onde os praticantes dirigem suas preces e oferendas a Deus ou a um santo.

Satsang (do Sânscrito: "encontro com a verdade")

Trata-se de uma reunião, um encontro ou uma assembleia com o objetivo de estar na companhia de pessoas que buscam a verdade para ouvir, refletir e assimilar ensinamentos espirituais. O foco é no estudo, na contemplação e na experiência direta da verdade (sat ou satya).

Normalmente é conduzido por um professor, guru ou mestre espiritual que discursa, explica um texto ou responde a perguntas dos estudantes. Pode incluir cânticos devocionais, meditação e troca de experiências. A ênfase está na sabedoria (prajna), no autoquestionamento e na realização direta da natureza da realidade.

É uma prática mais ligada ao Hinduísmo. No Budismo, o equivalente mais próximo seria um Dharma Talk, que é uma palestra sobre o Dharma seguida de perguntas e respostas. O termo "Satsang" tradicionalmente não é um termo budista.

É como uma "aula" ou "seminário" espiritual, ou um grupo de estudo, onde o objetivo principal é a aprendizagem e a inspiração mútua através da sabedoria.

Tabela Comparativa

Característica Puja Satsang
Natureza Ritual, Cerimônia Reunião, Assembleia, Encontro
Foco Principal Devoção, Oferenda, Acumulação de Mérito Sabedoria, Instrução, Comunhão Espiritual
Direção Vertical (do devoto para o referencial de devoção) Horizontal (entre participantes e mestre)
Ações Típicas Oferendas, cânticos, prostrações, recitações Ouvir ensinamentos, fazer perguntas, meditar em grupo
Figura Central O Referencial Máximo (Buda, Tara etc.) O professor ou mestre (o condutor do encontro)

A diferença fundamental está na intenção e no formato:

  • Se você está participando de uma cerimônia com incenso, flores e cânticos específicos dirigidos a uma entidade, está num Puja.
  • Se está sentado num salão ouvindo um mestre explicar os sutras e depois fazendo uma pergunta sobre a natureza do eu, está num Satsang (ou no seu equivalente budista).

É importante notar que, num contexto moderno e especialmente no Ocidente, estas linhas podem se misturar. Por exemplo, um evento pode começar com um Puja para criar uma atmosfera meditativa e depois mudar para o formato de Satsang embora sejam duas abordagens diferentes de busca espiritual.

Budismo - Roteiro de Estudo

Introdução

Para iniciar o estudo do Budismo de forma compreensiva e sólida, é fundamental compreender as três marcas da existência: Anicca (impermanência), Dukkha (insatisfação) e Anatta (não-eu). Estas são as bases sobre as quais toda a filosofia budista é construída, fornecendo uma compreensão fundamental da natureza da realidade e da condição humana.

Passo 1: Entendimento das Três Marcas da Existência

Neste estágio inicial, concentre-se na compreensão das três marcas da existência: Anicca, Dukkha e Anatta, citadas acima e já explicadas de forma mais detalhada neste blog. Reflita sobre como esses conceitos se manifestam em sua própria vida e na realidade ao seu redor. Reconheça a impermanência de todas as coisas, a insatisfação inerente à busca por permanência e identidade, e a ausência de um eu permanente e independente.

Passo 2: Estudo dos Cinco Agregados

Após compreender as três marcas da existência, é essencial explorar os cinco agregados que constituem o ser: 1 forma, 2 sensação, 3 percepção, 4 formações mentais e 5 consciência. Este conhecimento é crucial, pois é recorrente em toda a literatura budista e é fundamental para a compreensão dos ensinamentos subsequentes.

Passo 3: Exploração das Quatro Nobres Verdades

Dedique tempo para estudar e refletir sobre as Quatro Nobres Verdades:

Primeira: A verdade do sofrimento;
Segunda: a verdade da origem do sofrimento;
Terceira: verdade da cessação do sofrimento e
Quarta: a verdade do caminho para a cessação do sofrimento.

Compreender essas verdades é essencial para identificar e superar as causas do sofrimento humano.

Passo 4: Entrada no Nobre Caminho Óctuplo

Com base nos ensinamentos anteriores, o estudante poderá entrar na correnteza do Nobre Caminho Óctuplo, que é a jornada budista em direção ao Nirvana ou Iluminação. Este é organizado assim:

1) o entendimento correto
2) o pensamento correto
3) a fala correta
4) a ação correta
5) o meio de subsistência correto
6) o esforço correto
7) a atenção correta
8) a concentração correta

Os dois primeiros passos (visão e pensamento) estão ligados ao desenvolvimento da sabedoria, os três seguintes (fala, ação e meio de subsistência) ao desenvolvimento da moralidade, ética e virtude, pois uma vida sem regras, desonesta e imoral só irá afastar a pessoa do caminho. E os três últimos (esforço, atenção e concentração) levarão à concentração e ao estado de consciência profunda que ilumina e liberta do sofrimento. O oitavo e último passo está fortemente ligado à prática da meditação, que é fundamental para alcançar a iluminação.

Conclusão

Aprendendo estes ensinamentos básicos (elementos-chave), o praticante terá a base para entender as obras budistas de qualquer tradição. Além disso, à medida que avança, sedimentando o conhecimento e a prática, poderá incorporar outros aspectos, como o aprofundamento na história do Buda e de vários mestres que contribuíram para a propagação do budismo, os cânticos, as práticas culturais de diferentes tradições, as regras monásticas e dos retiros e as diversas formas de meditação, que complementam e solidificam o caminho em direção à iluminação. 

Também é crucial destacar a importância da paciência. É muito comum sentirmos ansiedade quando estamos prestes a adquirir um novo conhecimento ou habilidade, e acabamos tentando absorver informações demais e rapidamente. No entanto, as coisas não funcionam assim. No Budismo, assim como em muitos outros campos, a aprendizagem acontece de forma gradual. 

Espero ter ajudado!

Boa sorte!

O Falso Refúgio: Por que as drogas são uma estrada sem saída?

No Budismo, o conceito das três marcas da existência - Anicca (impermanência), Dukkha (sofrimento), e Anatta (não-eu) - oferece uma visão profunda sobre a natureza da vida e a experiência humana. Estes ensinamentos destacam a essência da condição humana, apontando para uma compreensão mais profunda sobre o que significa existir neste mundo.

A impermanência, Anicca, é uma realidade fundamental que permeia todas as experiências e fenômenos. Nada permanece estático ou imutável; tudo está sujeito a mudanças incessantes. Essa compreensão pode ser perturbadora para alguns, mas também é libertadora, pois nos lembra da transitoriedade de nossas alegrias e tristezas, incentivando-nos a cultivar uma relação mais equânime com a vida.

Dukkha, ou sofrimento, é reconhecido como uma realidade inerente à vida. Este não é apenas o sofrimento físico, mas também inclui a insatisfação constante, a ansiedade e a sensação de insuficiência que muitas vezes experimentamos. O Budismo nos convida a reconhecer este sofrimento e investigar suas causas profundas, em vez de tentar suprimi-lo ou evitá-lo através de meios fugazes, como o uso de drogas.

Por fim, Anatta, a noção de não-eu, desafia a ideia de uma identidade fixa e permanente. Não existe um "eu" substancial e independente por trás das experiências e percepções. Esta compreensão nos convida a transcender a ilusão do ego e a cultivar uma consciência mais ampla e inclusiva.

Embora esses ensinamentos possam parecer desafiadores, eles também oferecem um caminho para a libertação do sofrimento. O Budismo propõe o caminho do entendimento correto, conduta ética e prática meditativa como meios para realizar essa libertação. Ao compreender profundamente as três marcas da existência e cultivar qualidades como a compaixão e a sabedoria, podemos encontrar uma paz duradoura e uma felicidade genuína que não depende de circunstâncias externas.

Por outro lado, muitas pessoas recorrem ao uso de drogas em busca de felicidade e escape do sofrimento. No entanto, essa abordagem raramente traz uma solução duradoura e pode levar a consequências devastadoras. O uso de drogas pode oferecer um alívio temporário, mas não aborda as causas que estão por trás do sofrimento. Além disso, pode criar dependência, danificar a saúde física e mental e prejudicar relacionamentos e responsabilidades sociais.

Portanto, em uma última análise, sempre iremos perceber que a busca pela felicidade através das drogas está fadada ao fracasso porque não aborda as verdadeiras fontes do sofrimento humano. Enquanto o Budismo nos convida a encarar de frente as realidades da vida e a cultivar uma paz interior que transcende as circunstâncias externas, o uso de drogas oferece apenas uma fuga temporária que, no final, só servirá para aumentar ainda mais o sofrimento.

De acordo com o Budismo, a verdadeira felicidade só pode ser encontrada através do entendimento das três marcas da existência e do cultivo de uma vida baseada na sabedoria, compaixão e virtude. Este caminho é conhecido como o Caminho do Meio, ou Nobre Caminho Óctuplo. Seu primeiro passo é a compreensão das Três Marcas da Existência.

Os Cinco Agregados

Os cinco agregados, também conhecidos como "skandhas" em sânscrito ou "khandhas" em páli, são uma parte central da compreensão da natureza da existência e da mente no Budismo. 

Esses cinco agregados representam as várias dimensões da experiência humana e são considerados como elementos que compõem a existência condicionada. Aqui estão os cinco agregados de acordo com o Budismo da escola Theravada:

1. FORMA (Rupa)

Refere-se ao corpo físico e aos elementos materiais do ser. Inclui os quatro elementos primários (terra, água, fogo, ar) que compõem o corpo.

2. SENSAÇÃO (Vedana)

Refere-se à capacidade de experimentar sensações, sejam elas agradáveis, desagradáveis ou neutras, em resposta a estímulos sensoriais.

3. PERCEPÇÃO (Sanna)

Envolve o processo de reconhecer, rotular e interpretar as experiências sensoriais. Percepção está relacionada ao reconhecimento de objetos e situações.

4. FORMAÇÕES MENTAIS (Sankhara)

Inclui as formações mentais, impulsos, vontades e atividades mentais que surgem com base nas experiências passadas e condicionamentos. São consideradas forças impulsionadoras do comportamento.

5. CONSCIÊNCIA (Vinnana)

Refere-se à consciência ou à cognição, a capacidade de tomar consciência das experiências sensoriais e mentais. A consciência está interconectada com os outros agregados.

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A compreensão dos cinco agregados é essencial para a análise das Três Marcas da Existência ou seja, a impermanência (Anicca), a insatisfatoriedade (Dukkha) e a insubstancialidade (Anatta).

Ou seja, a natureza transitória ou impermanente, insatisfatória e sem substância do não-eu. 

Esses agregados compõem a experiência humana, mas nenhum deles representa uma entidade permanente, sólida e independente. A análise dos cinco agregados é uma parte fundamental da prática da meditação vipassana, que busca penetrar na natureza da realidade e alcançar a libertação do ciclo de renascimentos (samsara).

As Três Marcas da Existência

O budismo, uma das grandes tradições espirituais, nos oferece uma profunda compreensão da realidade por meio das chamadas "Três Características (ou Marcas) da Existência". Esses ensinamentos estabelecem as bases para o início da prática e a jornada em direção à Iluminação. Cada uma das características guarda um conceito fundamental, sendo essencial para a compreensão dos demais ensinamentos. Ao internalizar essas noções, desenvolvemos a habilidade não apenas de entender a realidade intrínseca da existência, mas também de perceber a interconexão desses princípios. Essa capacidade nos permite interpretar qualquer obra séria à luz desse entendimento, tornando-se uma ferramenta indispensável para uma compreensão abrangente dos ensinamentos e obras budistas.

1. Impermanência (Anicca)

A impermanência é a ideia de que tudo no universo está em constante fluxo e mudança. Nada permanece estático, desde as formas mais simples até os fenômenos mais complexos. Tudo está em um estado de constante transformação, seja no nível subatômico, biológico ou psicológico. No contexto budista, a compreensão profunda da impermanência é essencial para a libertação do sofrimento, uma vez que os apegos a coisas que inevitavelmente irão mudar ou se transformar podem levar à insatisfação.

2. Insatisfatoriedade (Dukkha)

Dukkha refere-se à natureza insatisfatória da existência. Isso significa não apenas a presença de sofrimento, mas também a insatisfação inerente a todas as experiências condicionadas. Desta forma, até mesmo os momentos de prazer são transitórios, eles não duram para sempre em nossa existência humana e, portanto, não podem nos proporcionar uma felicidade duradoura. Portanto, é um erro nutrir um apego no sentido que alguém ou alguma coisa no mundo externo seja capaz de nos satisfazer de forma duradoura. A compreensão da insatisfatoriedade é peça central para o caminho da Iluminação (Nibbana), o estado de libertação do sofrimento, do ciclo interminável de nascimento, envelhecimento, morte e renascimento. 
Obs.: "Nibbana" (Nirvana) em Pali.

3. Insubstancialidade (Anatta)

A insubstancialidade trata da ausência de uma essência permanente e independente no "eu" e em todos os fenômenos.  Não existe em ninguém uma "identidade permanente", destacada da natureza que está em constante mudança. A compreensão de que não existe um "eu", um ego, uma identidade pessoal,  permanente, imutável e isolada é muito importante para transcender o ciclo do renascimento e morte. A ideia de ego ou identidade fixa é vista como uma delusão (espécie de ilusão), e a realização do entendimento da insubstancialidade é pré-requisito para alcançar a libertação do sofrimento.

Por ser um conceito mais filosófico, vou ilustrar com um exemplo:

O corpo - que na linguagem budista é chamado de Rūpa Kāya. Pense no teu corpo físico. Ele está sempre mudando desde que você nasceu, não é mesmo? As células se renovam, a saúde oscila, a sua aparência muda, e não existe um "eu" que fica sempre igualzinho a medida que os anos vão passando.

A mente - que na linguagem budista é chamada de Nāma Kāya. Ela é como um desfile de pensamentos, emoções e estados mentais que nunca param. Não existe um centro firme que fica do mesmo jeito o tempo todo. É uma montanha-russa de ideias, aprendizados, mudanças, transformações que vão amadurecendo a medida que os anos vão passando.

Com a mudança do corpo e da mente, vai mudando também sua personalidade. Então, como um super-herói você vai ganhando novos poderes e habilidades para sobreviver nas mais diferentes situações.

Anatta está em tudo, desde o ser humano, uma árvore até mesmo uma bolha de sabão que flutua no ar e depende de vários fatores externos para manter sua forma.

Portanto, o ensinamento das Três Marcas da Existência oferece uma compreensão da realidade que direciona o praticante para o caminho da libertação do sofrimento ou caminho para a Iluminação. Este ensinamento auxilia no desenvolvimento da visão correta ou visão de sabedoria, evitando que caiamos nas armadilhas da delusão.

Plena atenção: uma chave para a libertação do sofrimento

No budismo, a plena atenção, também conhecida como "mindfulness", é considerada uma habilidade essencial para alcançar a libertação do sofrimento e a iluminação. A prática da meditação é uma forma importante de desenvolver essa habilidade.

Na meditação, a plena atenção é usada para se concentrar em um objeto específico, como a respiração, e manter a mente focada nesse objeto, evitando distrações e pensamentos desnecessários. Essa prática ajuda a desenvolver a concentração e a clareza mental, e a cultivar a percepção direta da realidade.

No dia a dia, a plena atenção pode ser aplicada em diversas situações, como durante uma conversa, ao comer, ao caminhar, entre outras. O objetivo é estar completamente presente e consciente do que está acontecendo no momento, sem julgamento ou distração.

A dificuldade de manter a plena atenção no ambiente urbano é maior devido às distrações constantes, como o barulho do tráfego, as notificações de dispositivos eletrônicos e a pressa da vida moderna. Em um retiro de meditação, o ambiente é mais calmo e propício à prática da plena atenção, já que há menos interrupções e distrações externas. Seja no retiro ou na vida urbana, o verdadeiro desafio é levar essa habilidade para o dia a dia, independente do contexto ou situação.

É importante lembrar que a palavra original em Pali para denominar a plena atenção é Sati.